Esse conto postei em homenagem a uma leitora muito especial chamada Sofia. Sol, espero que goste.
Prometo continar assim que possivel...
Era outono, as folhas secas caiam dos altos galhos das arvores e dançavam conforme a brisa suave soprava, em uma dança que embalava os mais longínquos pensamentos de alguém que assistia da sua varanda, ao belo espetáculo da natureza. Ela acolhia-se entre seu aconchegante chalé cor de vinho, já surrado, feito de uma lã única, cujo parecia ter sido tecida por mãos mágicas.
Sentada na sua velha cadeira de balanço, que rangia com os curtos
movimentos de vai-e-vem, Sofia lia com as mãos tremulas, talvez devido a sua
idade, ou por pura emoção, uma pequena carta, cujo papel já se mostrava
amarelado pelo tempo. Uma lágrima despencou do seu olhar perdido ao ler o final
da carta, a frase:
Para sempre seu, nesse ou em outro mundo... M. G.
Para sempre seu, nesse ou em outro mundo... M. G.
Seus pensamentos a levaram ao inicio de tudo, onde sua saudosa mocidade
aflorava em uma época de sombrios acontecimentos.
Era setembro de 1990, e Sofia acabara de completar seus 16 anos de
idade, quando seus pais; Juliet e Estevam, vieram a falecer por conta de uma
doença chamada Hepatite C, que na época os tratamentos para combatê-la eram
escassos.
Sofia herdara a enorme fortuna dos pais, porém, estava disposta a abrir mão de tudo para os ter de volta.
Sofia herdara a enorme fortuna dos pais, porém, estava disposta a abrir mão de tudo para os ter de volta.
Os dois anos seguintes foram os piores da vida de Sofia, pois, apesar da
rica condição de vida que seus pais a deixaram e sua fiel amiga e governanta
Charlot, a jovem moça se sentia sozinha no mundo que devorava seus sonhos a
cada dia, fazendo-a perder a essência da vida.
Sofia passava os dias em seu quarto, acariciando a pequena caixa de
madeira de cedro que pertenceu à sua mãe, onde foram talhados delicados
desenhos de um vilarejo que parecia ter saído de um conto de fadas. A singela
caixa de madeira fora delicadamente pintada de um branco neve, que lembrava os
botões de rosas brancas que cercavam o local preferido de sua mãe.
Charlot, sua governanta, agora sabia mais do que nunca que Sofia
precisara dela como uma segunda mãe. Era uma mulher de meia idade, que nunca
deixara de lado os bons costumes e maneiras que aprendeu durante os anos que
trabalhou com a família Silva.
Com seu cabelo preso ao topo da cabeça, suas vestes sempre bem
apresentáveis e com seu andar sempre uniforme, Charlot levava consigo uma
pequena bandeja nas mãos até o quarto de Sofia.
Charlot pára diante da porta e ajusta suas vestes. Em uma tomada de ar
bate duas vezes na porta e diz mansamente:
— Sofia, querida. Está na hora do seu café.
De dentro do quarto, a governanta escutou apenas uma voz fraca e sem
forças dizer:
— A porta esta aberta, Charlot. Pode entrar...
Charlot então apoia a bandeja na mão esquerda e cuidadosamente gira a
maçaneta da porta do quarto de Sofia. Ao entrar, se depara com as cortinas
ainda bloqueando a entrada da luz do sol pelas janelas.
Sofia, como sempre estava sentada a beira da cama, com a pequena
caixinha de madeira no colo e seu olhar voltado para o nada.
Seu quarto, apesar das ricas condições de vida da jovem, era muito
simples. Piso em madeira nobre mas rico em detalhes e uma cama de casal feita
de cedro, acolchoada com um macio colchão de espumas e coberto por finos
lençóis de seda brancos. Duas janelas que quase sempre ficavam fechadas eram o
único contato que Sofia tinha com o mundo, elas eram cobertas por finas cortinas
cor de rosa com bordados em detalhe branco; um pequeno guarda roupas no canto
esquerdo do quarto e um criado mudo do lado esquerdo da cama completava a
simples decoração.
— Minha querida, vamos aproveitar esse dia maravilhoso que está lá fora.
– disse Charlot descansando a bandeja sobre o criado mudo.
Com as cortinas ainda fechadas, Charlot sentava-se ao lado de Sofia, e
não precisava de iluminação alguma para notar o semblante triste que já se
apossara do rosto da jovem. Seus longos cabelos castanhos ah muito tempo não
eram escovados, seu rosto pálido quase não era notado devido a coloração que o
resto do seu corpo adotou nos últimos anos, talvez devido a falta de contato
dos raios de sol com a pele.
Seus olhos amendoados perderam o brilho, as profundas olheiras eram uma
companhia constante, devido as noites mal dormidas por conta dos pesadelos que
frequentemente acordavam Sofia.
— Eu... Eu sonhei com eles novamente, Charlot. Eles caminhavam de mãos
dadas em um lugar estranho, um lugar que eu nunca vi. Lá não era triste.
Eles sorriam, porém, quando
tentei me aproximar, alguma coisa ou alguém os tirou de mim. – disse Sofia com
o olhar perdido em direção a janela e acariciando a pequena caixinha que estava
em seu colo.
— Criança, foi só mais um pesadelo. Você precisa sair desse quarto e
aproveitar a sua juventude. – afirmou Charlot enquanto acariciava os cabelos da
jovem.
Erguendo-se da cama, a governanta caminha até as janelas dizendo:
— Vamos Sofia. Vamos aproveitar esse dia lindo. – a governanta abre as
cortinas e os raios de sol penetram no interior do quarto de Sofia como uma
fina brisa de pó de diamantes.
— E o que à de tão especial lá fora? Se já não consigo ver a beleza em
nada, seja aqui dentro do meu exílio, ou nesse mundo sem graça. – indagou
Sofia.
Charlot sentiu o pesar na voz da jovem. Um tom mórbido já acompanhava
suas palavras já a algum tempo. A fiel governanta já temia que Sofia se
precipitasse em escolher o suicídio como forma de deixar sua realidade.
— Tome seu café, querida. Depois que terminar aguardo você descer, pois
tenho uma surpresinha pra você. – disse Charlot estampando um sorriso no rosto.
Dito isto, ela se retirou do quarto de Sofia.
Sofia fez seu desjejum, quase sem vontade. Porém, uma pequena semente de
ansiedade e curiosidade brotou no seu cinzento coração.
Alguma coisa que para Sofia parecia inexplicável, impulsionou-a a abrir
seu guarda roupas. Seus olhos foram de encontro às escassas peças de roupas que
guardava. Muitas delas eram presentes de seus pais.
Suas lembranças a levaram no dia em que ganhara o lindo vestido azul céu
de sua saudosa mãe, o mesmo que ela agora passava delicadamente seus dedos
pelos detalhes bordados que o enriqueciam, fazendo um tímido sorriso brotar em
seus lábios.
Já fazia algum tempo que guardara o vestido. Ao que se lembra, o usou no
máximo duas vezes. Estava certa de que agora, ele não lhe cairia tão bem quanto
nas primeiras vezes que usou, mesmo assim, fez questão de usá-lo. Não teve
tanto esforço para vesti-lo quanto pensava que iria ter, talvez seu corpo não
cresceu tanto quanto deveria, porém, isso não entristeceu Sofia. Fato este, que
aconteceria com qualquer garota da sua idade.
Escovou seus longos cabelos. A sensação lhe agradou um pouco, pois a fez
recordar velhas lembranças de quando sua mãe todas as tardes, fazia questão de
escová-los para deixá-la sempre bem arrumada, para ambas aguardarem seu pai
voltar da fábrica de tecidos, onde era seu império.
Sofia desceu a longa escadaria, sempre levando consigo a pequena
caixinha branca. Charlot já a aguardava ao final da escada.
— Você está simplesmente linda, minha querida! – exclamou Charlot, com
um lindo e esticado sorriso.
— Obrigada, Charlot. Achei que seria conveniente usá-lo. – disse Sofia
de cabeça baixa, enquanto aparava com os dedos da mão direita, uma pequena
mecha de cabelo que deslizava em seu rosto, e em seguida a firmando atrás da
orelha direita.
— Fico feliz em ver que aceitou meu convite para sair do seu quarto.
Venha, tem algo que quero que veja. – disse Charlot, enquanto segurava
suavemente o braço esquerdo da jovem, guiando-a para fora da casa.
Sofia sentia algo estranho, como se um ciclone de borboletas voassem no
seu estomago. Já não estava certa se isso era ansiedade, mas no momento, só
tinha uma certeza; suas pernas já não as obedeciam, pois caminhava com o
impulso de Charlot a levando calmamente pelo braço.
Ambas caminharam por entre o jardim revestido por um tapete de grama
verde, que possuía uma grande variedade de flores, tais como; rosas vermelhas,
margaridas e bromélias. Sofia não viu a flor preferida de sua mãe, mas preferiu
continuar caminhando ao lado de Charlot. Já não lembrava de quão belo era o
jardim de sua casa.
Mais alguns passos e metros à frente, Sofia se depara com aquilo de que
tinha esquecido completamente, além da vontade de viver.
Seus olhos brilharam em uma ânsia de
um sorriso que desejava florir a muito tempo.
Charlot, segurando firme a mão da moça lhe diz:
— Mandamos reformar. Tive todo o cuidado de deixá-lo como era antes,
assim como sua mãe deixou antes de... – Charlot dá uma pausa. — Antes de
partir. – completa a governanta.
O local era um coreto branco em formato arredondado, feito em madeira
nobre, que ficava localizado ao lado direito do jardim. Estava adornado com rosas brancas, as flores
preferidas de sua mãe. Finas tiras de fita de seda branca circulavam o local em
vários pontos, e com um laço cor de rosa em um tom bem claro na ponta de cada
um.
Seu piso era feito de tacos de madeira encerados e lustrados, onde
juntos, formavam uma figura abstrata de uma bailarina.
Sofia caminha até o coreto como se estivesse em algum tipo de transe.
Seus passos seguiam uniformes, sem pressa de chegar. Ao se aproximar, desliza
os dedos da sua mão direita sobre a borda arredondada, logo em seguida sua mão.
A jovem fecha os olhos e suspira por um instante, sentindo ao máximo cada toque
que sua epiderme tocava.
— Eu consigo sentir o perfume dela Charlot. – disse Sofia com um sorriso
nos lábios.
— Era o lugar preferido de sua mãe, Sofia. Lembra-se como ela adorava dançar, mesmo que sozinha nesse lugar? – indagou Charlot.
— Era o lugar preferido de sua mãe, Sofia. Lembra-se como ela adorava dançar, mesmo que sozinha nesse lugar? – indagou Charlot.
— É como se eu conseguisse senti-la aqui comigo. Consigo escutar o
cantarolar que ela adorava fazer enquanto dançava.
— Nesse lugar, ainda permanece sua essência. – afirmou Charlot enquanto
observava a jovem.
Sofia cheirava os botões de rosas brancas, quando Charlot, mansamente
lhe diz:
— Vou deixá-la sozinha, minha querida.
— Obrigada Charlot. Por tudo. – disse Sofia com um semblante neutro na
face.
E assim a governanta retirou-se do local, deixando Sofia sozinha, no
local preferido de sua saudosa mãe.
Sofia sorria, fazia curtos movimentos de giro com seu vestido,
imaginando ali, que estaria a bailar com sua mãe Juliet. Permaneceu assim por
um curto período de tempo, até notar algo que lhe chamou a atenção. No piso do
coreto, o mesmo que formava a figura de uma bailarina, estava faltando um
pequeno taco. O taco que faltava, correspondia ao lado esquerdo do peito da
figura, mais precisamente o coração.
A jovem ficou a imaginar, o porquê que aquele pequeno taco estaria
faltando, e mais ainda, onde estaria? Foi então que um turbilhão de lembranças
invadiram sua mente, fazendo-a recordar da pequena caixinha de madeira de sua
mãe. Lembrou-se de como ela a guardava com carinho, e como contava histórias
fantásticas.
Quando a abria, revelava um
pequeno taco de madeira com uma figura que ela não conseguia distinguir.
Sofia sentou-se na pequena escada que ligava o jardim ao centro do
coreto, apoiando a caixinha em suas coxas, a mesma que carregou consigo por
todo o percurso. Deslizou suavemente suas mãos sobre a tampa, sentindo os
desenhos em baixo relevo que a adornavam, até que abri-la lentamente.
Dentro dela, ainda estava aquilo que considerava o maior tesouro de sua
mãe, a julgar pelo modo como guardava aquele objeto. A jovem pegou-o com
carinho, observou-o com atenção, e só assim pôde notar que o pequeno taco que
faltava para completar a pequena figura no solo, estava em seu poder durante
todo esse tempo. Sem perder tempo, Sofia levantou-se, ansiosa por ver a figura
completa. Com o taco em suas mãos, parou diante a figura tentando entender a
importância que ele tinha para sua mãe.
Sofia abaixou-se, e lentamente esticou seu braço direito, encaixando
enfim a peça que faltava para completar a bailarina. Feito isso, a jovem
levantou-se e ficou a observar com um sorriso nos lábios, a figura enfim
completada.
Pouco tempo depois, o taco ausente, que ao encontrar as outras peças
encheu-se de uma grande luz branca, propagando sua iluminação para todas as
outras peças do solo, fazendo uma espécie de corrente de luz entre elas. Sofia
de tão impressionada, não teve reação alguma, apenas ficou ali, observando a
grande beleza do fenômeno.
A estrutura do lugar estremeceu. Sofia perdia seu equilíbrio entre o
momento de pânico que assolava o coreto, e logo o piso do local perdeu seu
firmamento diante de seus olhos. Sem chance alguma de escapar da queda
inevitável, Sofia despencava com as trevas de um abismo que acabara de se revelar
no ato em que a última peça do piso foi encaixada.
Enquanto Sofia sentia o vento da queda bater contra seu corpo, a visão
da luz daquela manhã ficava cada vez mais fraca. Suas cordas vocais nada
emitiam naquele momento, apenas o olhar sombrio de medo do desconhecido se
firmava em seu semblante, enquanto seus membros se agitavam na tentativa inútil
de conseguirem agarrar-se em algo.
A escuridão do abismo se tornou completa, enquanto Sofia já aceitava a
morte certa pela queda livre, com a certeza de que seu corpo frágil seria
convertido em uma massa deforme ao encontrar o firmamento do chão.
— Papai, mamãe... – sussurrou Sofia ao deixar seu corpo inerte a queda. Seus
olhos lagrimavam e logo suas lágrimas escorriam pelas laterais do seu rosto com
a força do vento.
A adrenalina percorria cada centímetro do seu corpo, causando uma total
disritmia cardíaca. As bordas de seu vestido dançavam conforme a ordem dos ventos,
causando na jovem, mesmo que por alguns instantes, uma certa sensação de
liberdade.
Ao longe, bem no fundo do abismo em que Sofia despencava, um pequeno
raio de luz se fazia presente e aumentava gradativamente.
— O que? – indagou a Jovem surpresa.
As trevas que narravam sua queda, já perdiam as forças com a invasão da
luz, fazendo um sorriso desabrochar nos lábios de Sofia, assim como um pequeno
botão de rosa desabrocha aguardando a visita do beija-flor.
Enfim a propagação da luz ao fim da queda se torna inevitável, fazendo
com que o contato dos raios ofuscasse sua visão. O barulho de vozes e
movimentos acelerados invadiram seus ouvidos, porém, antes mesmo de conseguir
indagar alguma coisa, a jovem sentiu em seus quadris que algo amortecera sua
queda e em seguida uma forte pancada na cabeça que arrebatou sua consciência.
No fundo dos seus pensamentos, Sofia escutava uma voz firme que ganhava
forças e se tornava mais clara.
— Ei moça. Acorde... Moça. – repetia a firme voz.
Sofia sentia que seu corpo balançava em movimentos semelhantes aos de um
cavalo. Suas mãos tocaram algo seco como palha, o cheiro de terra molhada
invadiram suas narinas, juntamente com o forte cheiro de esterco. Um manto de
brisa úmida lhe cobria inteira, lhe trazendo uma sensação de calma que a muito
não sentia, até que a jovem enfim abriu seus olhos.
Sua visão estava fosca, porém, ela pode notar a figura de um homem que
estava sobre ela, que se tornava cada vez mais nítida.
— Ela acordou! – exclamou o rapaz curvando sua cabeça para o lado
esquerdo.
— Onde é que eu estou? – indagou Sofia tentando levantar-se e passando
levemente a mão direita sobre a cabeça.
— Calma. Você bateu a cabeça com força na lateral da nossa carroça. –
disse o rapaz.
Sofia ao olhar com precisão o jovem rapaz que agora lhe falara, notou
seus médios cabelos castanhos e ondulados, que lhe caiam até a altura das
orelhas e algumas mechas insistiam em lhe invadir o rosto. Seu rosto não era
grosseiro, mas também não era fino. O queixo quadrado, juntamente com a barba
por fazer lhe davam um tom jovial e másculo ao mesmo tempo. Seus olhos cor de
esmeralda brilharam ao encontrarem os de Sofia, juntamente com o acanhado
sorriso em seu rosto.
— Quem é você? – perguntou Sofia aparando com a ponta dos dedos, a mecha
de cabelo que insistia em cair sobre seu rosto.
— Me chamo Miguel. E você? – indagou o rapaz.
Continua...
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