TERÇA-FEIRA. 15/03/2011
Minha desgraça começou nesse dia, quando
voltei da selva amazônica. Eu havia ido ao Pico da Neblina (mais um que
escalava essa montanha imponente) depois passei quatro dias na região de
Maturacá, á alguns quilômetros de uma cidade chamada de São Gabriel da
Cachoeira, no extremo norte do país. Adorei estar naquela região inóspita,
selvagem e lotada de animais exóticos.
Agora, eu estava em casa, onde moro
sozinho, pronto para um merecido descanso, após quinze dias de aventura.
Oh, eu dormia!
No entanto...
Pensei que estava sonhando, ao sentir que
alguma coisa passeava por cima do meu rosto. Pés diminutos, ásperos e
incômodos. Um corpo sobre o meu!
Que nojo!
Não acordei. Tentei afastar aquela entidade
com a mão direita.
Talvez eu tenha tocado em algo!
O certo é que os pés ásperos sumiram.
QUARTA-FEIRA. 16/03/2011
Um dia cheio, em que dei entrevistas,
malhei e voltei ao meu trabalho como publicitário.
Depois, eu dormia no meu quarto suntuoso.
E aí...
Novamente alguma coisa em meu rosto.
Os malditos e chatos pés! Seriam mesmo pés?
Ou não?
Mas eu não conseguia acordar! Não conseguia
abrir os olhos!
Com a mão direita afastei a criatura.
Voltei a dormir com tranqüilidade.
QUINTA-FEIRA. 17/03/2011
Um dia comum. Trabalhei, malhei, fui ao
shopping e no sábado combinei de ir com amigos a um clube, para me divertir um
pouco.
À noite, pensei naqueles malditos pés.
Antes de deitar, eu havia efetuado uma
busca pelo quarto. Não sei o que esperava encontrar. Talvez um bicho esquisito
e mongolóide? Com certeza não.
Nada encontrei e pude continuar com meu
sono.
Duas horas depois, os pés diminutos
apareceram.
Horríveis! Indecentes! Nauseabundos!
Passeavam maliciosamente por sobre meu
rosto.
Tentei acordar... sem sucesso.
O que estava acontecendo?
Mais uma vez minha mão direita agiu,
livrando-me da criatura.
Seria um animal?
SEXTA-FEIRA. 18/03/2011
Fui picado no rosto!
Doeu, mas não pude acordar.
Os pés diminutos, um ferrão, o ardor
antipático.
Minha mão direita afastou a criatura.
Dormi mal.
Tive pesadelos com baratas, besouros,
ratos, escorpiões, centopéias e minhocas. Todos em cima do meu rosto, me
devorando vivo! Eu gritava de dor!
Acordei, sobressaltado, pálido e em pânico.
Por quê? O estaria acontecendo comigo?
Terei que fazer alguma coisa.
SÁBADO. 19/03/2011
Adoeci, logo pela manhã, antes de iniciar
minha corrida.
Começou com uma febre, que foi
aumentando... aumentando...
Eu tossia e cheguei a vomitar duas vezes.
Uma dor de cabeça enjoada!
Uma ferida no rosto! Uma horripilante
ferida surgiu no meu rosto!
Desesperado, fraco e sem forças, fui parar
no hospital.
A ferida tinha um centímetro de diâmetro.
E estava crescendo gradativamente.
DOMINGO. 20/03/2011
Alguns amigos e colegas de trabalho me
visitaram. Deram-me apoio e deixaram flores e livros. Gostei das visitas.
Febre... dor de cabeça... vômitos....
A ferida! A ferida! Dois centímetros! Ardia
muito!
Estou delirando, preso na porra desse
hospital!
Meu Deus!
SEGUNDA-FEIRA. 21/03/2011
Ainda doente, tentei dormir.
A febre diminuiu, mas a ferida estava lá,
cada vez maior.
Ferida asquerosa, com fluidos de pus...Ardia
pra cacete! Merda!
Os médicos aplicavam injeções. Eu tomava
comprimidos amarelos. Um líquido estranho (seria iodo? - não perguntei) foi
passado sobre a ferida. Não contei pra eles sobre a criatura que passeava sobre
meu rosto. Eles não iriam acreditar mesmo.
Os pés diminutos! No meu rosto!
Mesmo sem abrir os olhos, meti a mão e o
peguei.
Havia alguma coisa na minha mão. Fazia
movimentos frenéticos, como se quisesse fugir. Com ódio, esmaguei-a, ao fechar
a mão.
– Morra, maldita! – lembro que gritei.
Abri a mão, e em seguida a criatura caiu no
chão, em fragmentos esbagaçados.
O que seria?
TERÇA-FEIRA. 22/03/2011
Dois amigos vieram me visitar durante o
dia, e ficaram horrorizados com meu estado. Mesmo assim, me deram força para lutar contra
esse mal misterioso.
Aproveitei para fazer um pedido inusitado:
caderno e caneta. Eles estranharam, mas prometeram trazer.
Agradeci.
Depois, à noite, mais sofrimento.
Febre! Minha cabeça latejava! Estou
fraco... fraco...
Havia um curativo sobre meu rosto, em cima
da ferida.
Tentei mostrar a criatura para os médicos.
Mas... não havia nada em lugar algum
daquele quarto! Nada, nada. Merda! Como é possível? Como meu Deus?
Teria
eu imaginado aquilo?
Estaria ficando louco?!
Minha respiração! Como está difícil
respirar, falar, viver!
Não dormi, embora fechasse os olhos.
QUARTA-FEIRA. 23/03/2011
Estou morrendo...
Tenho diarréia. Já vomitei sangue. Emagreci.
Meus amigos trouxeram o caderno e a caneta,
e agora estou escrevendo minhas angústias. Estou relatando tudo, para que sirva
de alerta, caso novos casos ocorram. Algo de macabro está acontecendo na selva
amazônica, principalmente na região de Maturacá. Aquela área deve ser investigada.
Escrevo... com dificuldades...
Não consegui esquecer a criatura se mexendo
na minha mão, a forma como a matei. Mas...
para onde foi? Não teria morrido?
Os médicos estão fazendo de tudo para
salvar minha vida. De tudo!
Fui transferido para outro hospital,
especializado em doenças tropicais.
Um deles disse que minha doença tem algo a
ver com os dias em que passei na selva amazônica. Porém, não puderam diagnosticar
precisamente de que mal fui vitimado.
Exames (de sangue, urina, fezes, etc...)
estão sendo realizados.
QUINTA-FEIRA. 24/03/2011
Dor de cabeça!
Alguns amigos e colegas de trabalho
tentaram me visitar, mas foram proibidos de entrar no meu quarto. Eu estava
incomunicável.
Tentei lembrar de ter sido picado por algum
inseto, enquanto estava na selva, mas nada me veio à memória.
A não ser aquele índio Yanomami, de
quarenta e poucos anos, que havia contraído uma espécie rara e mortífera de
malária, numa das aldeias de Maturacá.
O índio estava deitado na rede. Pálido,
magro e soltava gritos de agonia.
Acompanhei o sofrimento dele por quatro
dias, até vê-lo morrer.
Uma morte pavorosa!
Ele tinha visões de insetos, de monstros e
apontava para o canto da casa.
Gritava muito, no seu dialeto. Os
familiares, em desespero, lhe davam chás.
O médico de nossa equipe não soube o que
fazer, pois não tinha remédio apropriado para aquela doença estranha.
O índio morreu magro, em convulsões
terríveis!
Custei para tirar aquela imagem da cabeça.
E soube que outras mortes aconteceram, nos
últimos meses. Seria um surto?
Nos perguntamos se aquela doença seria
mesmo malária.
E agora... eu me pergunto; Estarei
desenvolvendo os mesmos sintomas? Será?
Tenho pesadelos!
Nessa noite, sonhei que uma horrenda barata
gigante e negra me picava.
Aqueles olhos! Aqueles olhos sinistros!
Havia mosquitos por toda a parte. Mosquitos
nojentos! Todos me devoravam!
Gritei de dor e medo.
SEXTA-FEIRA. 25/03/2011
Atualizei o caderno. Os médicos o viram,
mas não ousaram ler o que ali estava escrito. Ótimo.
Passo os dias sofrendo e escrevendo.
Minha ferida estava enorme! Seis
centímetros de diâmetro! Meu Deus! Uma ferida horrível! O pus era visível,
quando os médicos trocaram o curativo.
Minha respiração! Febre! Dores pelo corpo!
Eu estava pesando cinqüenta quilos. Magro!
Excessivamente magro! Rosto cadavérico, com sulcos profundos nos olhos! Eu
estava me transformando numa espécie de zumbi. Entrei em pânico.
O quarto estava infestado de insetos!
Vários deles andavam por sobre meu rosto.
Besouros... moscas... mosquitos... baratas!
Horripilantes... picando... destruindo...
Nããããoooooo!!!!
Gritei.
SÁBADO. 26/03/2011
Estou isolado dos demais pacientes. Os
médicos ainda não descobriram que doença eu tenho. Eles se aproximam com
máscaras, luvas e roupas especiais.
Minhas dores estão insuportáveis.
Eu passo os dias chorando... escrevendo...
agüentando as dores...
Lembrei de minha mãe, já falecida. Sinto
falta dela, que poderia estar aqui comigo, me dando forças. Onde estás, mamãe? Não
tenho irmãos... não tenho esposa.... filhos... não tenho ninguém... uma ignóbil
depressão sufoca meu peito...
Só. Absolutamente só!
Estou magro, parecendo um monstro...
A ferida já toma quase a metade do meu
rosto...
Apenas a morfina ameniza meu sofrimento...
DOMINGO. 27/03/2011
Não consigo respirar! Meu Deus! Estou
morrendo!
As dores! Não consigo suportá-las!
Lembrei do índio agonizando. Pálido! Magro!
Com visões! Os mesmos sintomas... doença rara... Por quê?
Por que eu?
Detesto o cheiro do quarto desse hospital!
Essas paredes... são cruéis...
A escuridão me cerca! Trevas! Caos!
Desespero!
Não... consigo...
E continuo escrevendo... escrevendo... ou
tentando... mesmo sem forças... até que...
Amo você, mamãe! Meu Deus! Meu Deus!
Não! Não tenho mais forças para escrever.
Vou deixar o caderno em cima da mesa.
SEGUNDA-FEIRA. 28/03/2011
A enfermeira ouviu os gritos e chamou os
médicos.
Ela e dois médicos entraram no quarto, às
pressas.
E o que viram...
Nos jornais, a manchete;
“Publicitário e alpinista morre em São Paulo”
“Lucas
Kriter Malcom, 32 anos, solteiro, morreu ontem, vitimado por uma doença
misteriosa. Uma mistura de malária (daí os vômitos) e leshimaniose (por causa
da ferida no rosto). Os médicos acreditam que tenha sido picado por vários
tipos de insetos, durante sua permanência na selva amazônica, onde escalou
recentemente o Pico da Neblina. Os especialistas em doenças tropicais fizeram
mais exames no corpo, para definir a doença exata que o acometeu. E não podemos
deixar de registrar um fato estranho, que ocorreu poucos minutos antes de sua
morte.
Os médicos entraram no quarto, após ouvirem
gritos, e se depararam com uma cena bizarra. Lucas, trêmulo, os olhos
arregalados, demonstrando terror extremo, sentado na cama, apontava para um dos
cantos do quarto e gritava;
“Ali!
Ali! A barata! A barata que me picou! Ali! Ali!”.
Logo
em seguida entrou em convulsão e morreu. Porém, não havia nenhuma barata no
quarto. Os médicos acreditam que ele entrou em delírio, devido ao seu estado
físico. O publicitário, que era órfão, não deixou filhos. Na verdade, deixou um
caderno, onde relatou os seus momentos de sofrimento. Com base nas informações
contidas no caderno, uma equipe médica irá percorrer a região de Maturacá, para
verificar se há mesmo algo de errado acontecendo ali.
Para
finalizar, ficamos com a pergunta: que segredos se escondem na selva amazônica?
Teria o Lucas morrido de uma doença nova, tão fatal quanto o Ebola? Esperamos
que não. Rezaremos por sua alma."
FIM
Mayara Porto
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